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Nicolás Maduro discursou após a divulgação dos resultados do referendo sobre Essequibo — Foto: GETTY IMAGES via BBC

A ameaça venezuelana

Mundo

Nicolás Maduro discursou após a divulgação dos resultados do referendo sobre Essequibo — Foto: GETTY IMAGES via BBC

Regimes ditatoriais são ávidos em explorar paixões nacionalistas como meio de sobreviver, em especial quando desafiados pelos desastres que engendraram. Não é diferente na Venezuela de Nicolás Maduro. Ao iniciar a construção de uma segunda base militar na fronteira leste e conduzir, no último domingo, a farsa de um plebiscito sobre a anexação de 70% do território da Guiana, o autocrata bolivariano deslanchou a primeira ameaça bélica na América do Sul desde 1991.

Do episódio, salta à vista a inação do Brasil. Em vez de advertir claramente o vizinho sobre os riscos de uma aventura regional desestabilizadora, o presidente Lula da Silva limitou-se a dizer que a América Latina “não precisa de confusão”.

Não se trata de “confusão”, e sim de ameaça explícita de agressão à Guiana por parte da Venezuela, que inventou uma consulta popular obviamente fajuta para revestir de legitimidade sua reivindicação territorial.

Como já fez no caso do ataque injustificado da Rússia contra a Ucrânia, Lula da Silva tratou a ameaçadora Venezuela e a ameaçada Guiana como se fossem igualmente responsáveis pela “confusão”. Segundo o presidente brasileiro, é preciso que “o bom senso prevaleça do lado da Venezuela e da Guiana”. Ora, só há falta de bom senso de um lado, o da Venezuela do “companheiro” Nicolás Maduro.

Não há dúvidas sobre as más intenções do ditador venezuelano, que aceitou a realização de uma eleição presidencial aberta e monitorada em 2024 em troca da suspensão temporária de sanções pelos Estados Unidos. Nada indica que cumprirá esse acordo, celebrado em Barbados em outubro passado, dadas as travas de seu regime às candidaturas da oposição.

Nessa lógica, insuflar o nacionalismo, ao resgatar uma causa apoiada também por alguns de seus detratores, parece uma jogada característica de quem precisa recuperar a popularidade em meio à crise generalizada no país.

A Venezuela reivindica há dois séculos a soberania sobre Essequibo, uma faixa de 160 quilômetros quadrados no oeste da Guiana. Desdenha de arbitragens e acordos anteriores e, agora, de recentes orientações da Corte Internacional de Justiça.

Não se pode abstrair o fato de a controvérsia ter sido pinçada por Maduro quando a Guiana se vê catapultada economicamente pela exploração petrolífera na região em disputa – e desguarnecida de força de defesa. Tampouco é possível ignorar o fato de o Brasil estar, literalmente, no meio do vespeiro. Porta de fuga de venezuelanos desesperançados, Roraima faz fronteira com ambos os países.

A circunstância geográfica, por si só, exige do Brasil uma posição neutra, equilibrada e ativa na busca de uma solução diplomática. Lula da Silva deveria usar sua condição de “companheiro” de Maduro para convencê-lo a desarmar os ânimos.

A cada dia de imobilismo e de miopia diante dos arroubos de Maduro, porém, a Guiana se verá empurrada a buscar proteção militar nos EUA. A escalada é preocupante e requer do Estado brasileiro o dever estratégico nacional e regional de levar a Venezuela a manter a paz, o maior capital geopolítico da América do Sul.

Maduro promete ”recuperar” província do país vizinho

Presidente venezuelano celebra resultado do referendo sobre anexação do território do Essequibo, em que 95% dos eleitores apoiam medida. Especialistas minimizam impacto da votação e veem jogada política

Nicolás Maduro (E) mostra a ata com o resultado da consulta popular de domingo, aplaudido pelo presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Elvis Amoroso (Crédito: Federico Parra/AFP)

Ao assinar e exibir a ata de notificação da “vontade absoluta e democrática expressada pelo povo venezuelano no referendo consultivo em defesa da Guiana Essequiba”, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, comemorou o resultado e declarou: “Essa consulta é vinculante e, na condição de chefe de Estado, acato o mandato”.

De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), 95% dos eleitores apoiaram a criação de uma província venezuelana no Essequibo, território disputado com a Guiana e rico em petróleo. “A decisão que vocês tomaram dá um impulso vital poderosíssimo (…) Agora, sim, vamos recuperar os direitos da Venezuela históricos na Guiana Essequiba; agora, sim, vamos fazer justiça”, afirmou Maduro. 

Elvis Amoroso, presidente do organismo, anunciou que 10.431.907 venezuelanos — 35% da população e mais da metade do eleitorado (20,7 milhões) — participaram da votação. “Se o referendo consultivo não é vinculante, o que é? Se a voz do povo não é vinculante, o que é?”, indagou Maduro.

Além da nova província, os eleitores aprovaram a concessão de nacionalidade venezuelana a seus 125 mil habitantes, que representam 15% dos cidadãos guianenses. As primeiras reações em Georgetown, capital da Guiana, foram de cautela. “Temos que permanecer sempre vigilantes.

Embora não acreditemos que ele vá ordenar uma invasão, temos que ser realistas sobre o ambiente na Venezuela e o fato de que o presidente Maduro pode fazer algo muito imprevisível”, declarou Hugh Todd, chanceler guianense.

Especialistas veem uma manobra de Maduro para tentar fortalecer o próprio capital político, dias depois de a oposição escolher a deputada María Corina Machado como candidata ao Palácio de Miraflores em 2024. 

Em entrevista ao Correio, o embaixador Victor Rodríguez Cedeño, ex-membro da Comissão de Direito Internacional na ONU e professor de direito internacional, qualificou de “inaceitável” a anexação do território de Essequibo. “O caso estava em um processo judicial ante a Corte Internacional de Justiça (CIJ), onde cabe à Venezuela reclamar a sua titularidade jurídica.

Um referendo seria algo contrário ao direito internacional. Os venezuelanos e a comunidade internacional não podem aceitar que se anexe um território dessa maneira. Existem formas de chegar a um arranjo e apelar à Corte Internacional de Justiça”, explicou.

Cedeño disse que Essequibo não importa muito à Venezuela. “O interesse de Maduro é mais por razões políticas internas, pois ele é visto como um líder que levanta a bandeira do patriotismo, do nacionalismo, da recuperação do território de Essequibo.

O que ele quer, simplesmente, é um benefício político interno. Ele está aterrorizado ante a ascensão da candidatura de María Corina Machado para as eleições de 2024. Machado significa, para 80% dos venezuelanos, a esperança em regressarem à democracia.”

Professor de direito internacional da Universidad Central de Venezuela, o advogado venezuelano Héctor Faúndez Ledesma minimiza os impactos do referendo de domingo (3/12). “Qual o efeito da votação ante o processo na Corte Internacional de Justiça? No meu entender, zero. O resultado do referendo não afetará, em absoluto, os procedimentos que estão em curso na Corte Internacional de Justiça.

Não terá nenhum efeito prático”, disse ao Correio. Ele também descarta uma aventura militar de Maduro no país vizinho. “Honestamente, não acredito nisso. A capacidade militar da Venezuela é dez vezes superior à da Guiana. Seria uma aventura sem respaldo da comunidade internacional e isso causaria mais danos a Maduro e à Venezuela.

Para Ledesma, Maduro usa o referendo como desculpa para abandonar o processo na CIJ. “Parece que os advogados da Venezuela não têm pronto o documento de contramemória que deve ser apresentado à Corte em 2024. Sob esse ponto de vista, Maduro acreditava que a melhor opção seria sair do processo.

No âmbito interno, parece que o que havia por trás do referendo era o desejo de levantar a imagem do presidente da República envolto na bandeira nacional. Ele apostava que o referendo contaria com grande participação nacional, maior do que a registrada durante as primárias da oposição. Isso não ocorreu.”

“Bom senso”

No domingo, ao comentar o referendo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse esperar que o “bom senso” prevaleça entre Caracas e Georgetown. “O que a América do Sul não está precisando é de confusão”, acrescentou Lula. Os Estados Unidos advertiram Maduro que a disputa com a Guiana não pode ser resolvida por meio de uma consulta popular.

O porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Matthew Miller, esclareceu que Washington defende o respeito à fronteira estabelecida em 1899, “enquanto não houver um acordo entre as partes ou um organismo competente decidir”.  

As informações são do Estadão e do Correio Braziliense – Divulgação: scctv.net.br

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